- Danton Ferreira Vellenich
Piracanga – Um pouco mais de detalhes sobre os aprendizados da natureza
Atualizado: 12 de Fev de 2019
O cuidado com a Natureza em Piracanga inspirou nosso olhar a partir da perspectiva dos nosso impactos. Queria registrar neste blog, para não deixá-los escapar da memória e compartilhar um pouco das atividades com vocês, por isso já vou avisando que ele ficou longo.

-Preservação / Regeneração

Com o olhar mais atual de sustentabilidade, o cuidado com o impacto humano sobre a natureza vai além da preservação para o desenvolvimento regenerativo. Ou seja, não basta pensarmos apenas em parar de destruir o planeta, mas nossa mente agora deve estar se perguntando, como recuperamos o que existia.
As fotos abaixo ilustrem mais facilmente a conquista nestes últimos 10 anos, regenerando a mata Atlântica, que por sua vez trouxe a revitalização da fauna.



Curiosidade: a visão do início do projeto de regeneração desta agrofloresta era: “Gostaríamos de poder colher frutas descalços.” Essa meta, que a princípio pode parecer simples, trazia em si resumidamente toda a complexidade de manejo, água, plantas, etc. Uma vez que estão sobre areia, que com o sol torna-se escaldante, era necessário regenerar mata, promovendo sombra, determinando as trilhas a serem organizadas, as árvores nativas da região e demais fatores que eu não seria capaz de enumerar.
Foi lindo escutar ao final do ano passado, o relato da emoção que uma das pessoas mais antigas da comunidade sentiu ao receber do seu filho de 8 anos a oferta de um caju que ele tinha saído para apanhar nas trilhas – ah! descalço é claro – que é como quase todos andamos por lá atualmente.

Essa iniciativa de regeneração da mata, promoveu também a regeneração da fauna no local. Por amor aos animais locais, também não trouxeram para Piracanga, cachorros, cavalos ou outros animais domesticados não nativos, que pudessem colocar em risco o equilíbrio por lá. Foi o local que vi mais calangos por m2 na vida...
- Permacultura

Piracanga tem o objetivo de se tornar auto-sustentável na cultura de alimentos, mas essa é uma meta ainda mais desafiadora de se atingir que a regeneração da mata.
Além da preparação do solo (ja disse que eles estão plantando na areia?!), ainda tem pela frente a identificação dos alimentos que melhor se desenvolvem por lá e os predadores naturais – formigas e gafanhotos tem tido um papel relevante, destruindo muito do que é plantado.
Como a necessidade de comida é maior que a disponível na plantação, são organizadas feiras de produtores locais 4x por semana. Apenas 1 destas traz de “sacolão” de um mercado local que complementa eventualmente o que os orgânicos não oferecerem.
- Tratamento de Resíduos
Naturalmente, o tratamento do resíduo inicia nas decisões de compra. Com esse conceito, os materiais comprados pela comunidade são vendidos a granel e embalados com materiais biodegradáveis (papel, por exemplo). O mesmo pensamento cuidadoso tem-se com as matérias-primas e fornecedores.

Todos os resíduos de Piracanga são tratados com responsabilidade dando a eles o potencial de transformação que aquelas matérias tem. (Convite a reflexão: Já parou para pensar que “lixo” não existe?!)
Resíduos secos são separados e analisados para re-uso. Exemplos:
Garrafas PET são enchidas com plásticos até enrijecerem e transformarem em tijolo.
O papel é picado e reciclado

Resíduos orgânicos são compostados e se transformam em matéria orgânica que será usada na permacultura e agrofloresta.
Pelas técnicas utilizadas, compostagens orgânicas são segregadas entre os restos de alimentos e fezes. Desta forma, podem dar melhor eficiência ao processo e melhor destinação.

A compostagem das fezes, utilizada exclusivamente nas agroflorestas, tem no banheiro seco um aliado para dar eficiência ao processo, que de quebra ainda é eficiente para o tratamento das águas. Em Piracanga conheci 5 modelos diferentes de banheiros secos ou semi-secos, além do tradicional com água. Este banheiro tradicional, por sinal, está presente em muitas casas da Ecovila e das habitações para hóspedes do Centro Inkiri.

Além disso, a dieta vegetariana / vegana torna este processo ainda mais fácil, sem a decomposição da carne. Ainda não consegui eliminar a carne da minha dieta, mas cada vez que penso sobre isso parecer fazer sentido que o futuro caminhe nesta direção.
A The Economist fez uma matéria e um vídeo sobre o tema, que traduz bem alguns destes argumentos.
E sim, ainda existem aqueles resíduos que não temos capacidade instalada para transformá-lo e são destinados a um lixão – relativamente poucos, mas existem. No entanto, o que é interessante é que esta destinação atualmente segue normalmente em uma rotina mensal junto com alguma carga de passageiros ou outra motivação de transporte. Essa carga compartilhada, sinaliza o zero consumo de combustível motivado pelo lixo, que permite sob esse critério afirmar que Piracanga é Lixo Zero.
(Se ficou curioso sobre o tema, segue mais uma dica de tema para leitura “5Rs do lixo” )
- Tratamento da Água
A água potável em Piracanga existe em abundância, mas ao mesmo tempo em vulnerabilidade porque o lençol freático está a poucos metros do solo – em alguns locais a menos de 2m – ou seja, o que vai para o solo, pode chegar rapidamente a água que bebemos. Além disso, também corre risco de salinizar caso a erosão provocada pelo mar atinja esses reservatórios, o que traz o tema do reflorestamento e recuperação do solo importantes também por este aspecto.

Por esse volume abundante e delicado, a água ganhou em Piracanga no “Templo das Águas”, um espaço próprio de estudos, laboratório e produção de produtos biodegradáveis para uso por lá.
É muito interessante e um valioso aprendizado conviver com esses cientistas, acadêmicos ou empíricos, que tem se dedicado à proteção deste nosso recurso.

É de lá que construíram alguns diferentes sistemas de tratamento e filtragem das águas de “esgoto” (ou melhor caracterizando aguas cinzas – xixi, pias e ralos - e aguas escuras – fezes) totalmente naturais (principalmente a base das folhas e raízes de bananeira) que tem tido seu espaço reconhecido em eventos científicos.
Complementarmente ainda estão iniciando os testes de produção de biogás, com biodigestores conectados a esses sistemas e aos de compostagem.
- Bioconstrução e energia
Dentro do mesmo conceito, Piracanga ainda vem desenvolvimento as pessoas para novos métodos de construção, utilizando materiais e técnicas que reduzam o impacto humano sobre a natureza. Exemplo os tijolos produzidos de resíduos, além de outras técnicas, como o adobe e demais. Há cerca de 4 anos que as primeiras casas vem sendo construídas pelos próprios membros da comunidade. Anterior a isso, vinham de empreiteiras ou construtoras contratadas para este fim.

Além disso, uma regra já mais antiga, definiu na região que as casas não devem ter mais que uma determinada altura (2 andares e um pouco) e que os tetos sejam de piaçava. Essa definição trouxe uma integração das casas a paisagem, que ficam sempre mais baixas que as grandes bananeiras e visualmente harmoniosas ao ambiente.
As casas em geral contam também com aquecimento de água, com sistemas de boilers e aquecedores solares, e sistemas de energia solar – placas, baterias e inversores - para geração de eletricidade.
Para prover a energia elétrica ao centro holístico, casas de hóspedes e sistemas de comunicação, Piracanga dispõe de uma usina solar, com sistemas de baterias redundantes e grupo motor gerador, movido a diesel para evitar black-outs. Notei no entanto que o sistema ainda estava sendo acionado com uma regularidade semanal para recarregar as baterias, que me faz pensar que ainda temos desafios para manter o conforto e disponibilidade mínima daquilo que nos acostumamos atualmente.

Acompanhar in loco todo este trabalho, conviver com pessoas com tanta informação e experiência, foi sem dúvida uma honra e um prazer. Pensar no futuro nos faz remeter às experiências realizadas nesta comunidade.